Centro Universitário Norte do Espírito Santo, São Mateus - ES

O SETOR PSICOLOGIA/DASAS COMENTA: O BULLYING NA UNIVERSIDADE.

Esta última segunda-feira (07 de abril) foi o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência na Escola, tendo sido escolhido esse dia por repúdio ao massacre ocorrido em Realengo/RJ há mais de uma década. Este incidente certamente não instaurou os casos de violência em ambiente educacional no Brasil, mas ajudou a sedimentar no imaginário geral a palavra “Bullying” e alguns dos fantasmas que o acompanham. Nesse sentido, achamos pertinente abordar essa temática.
Para aqueles que não sabem, Bullying deriva de um termo em inglês (Bully) que pode ser traduzido como brigão, mandão ou valentão. Trata-se de um subtipo de violência entre jovens que provavelmente sempre existiu, mas que agora se vê potencializado por aspectos da vida moderna, como relações sociais fragilizadas e mediadas pela internet, além de grande exposição a outras formas de violência. É um tipo de assédio horizontal entre pares, em que a criança ou o jovem é exposta repetidamente a agressões intencionais, estabelecendo uma relação de poder assimétrica.
A primeira coisa a se destacar, portanto, nos parece ser o fato que para se configurar como Bullying a(s) agressão(ões) deve(m) ser, como qualquer assédio, frequente(s), sistemática(s). Não se sugere com isso que agressões pontuais não possam ser danosas, mas que o Bullying, por seu caráter repetitivo, assume nuances particulares dignas de atenção e cuidado especial.
Outra coisa a se ressaltar é uma ideia muito presente na nossa sociedade, mas que de fato se trata de um mito. Cerca esse fenômeno social a percepção muito difundida de que, por se tratar de situação que sempre ocorreu, não seria assim tão grave. Muitos podem negligenciar os sinais ou relatos de Bullying por achar ser próprio da idade brincadeiras com provocações e competições, e que talvez até seja importante à formação do caráter aprender a suportar e responder a situações como esta. Para estes, reclamar disso não seria mais que “frescura” de “pessoas mimadas”, afinal “no meu tempo todo mundo fazia isso e ninguém morreu”. Esquecem-se que para a maioria das vítimas a capacidade de se defender é reduzida, e que, por definição, se há alguma das partes em sofrimento, já não se pode chamar de brincadeira.

Mas porque abordar esse assunto entre discentes de nível superior?
Por que estudos sugerem que (1) mais de 60% dos professores e alunos concordam haver Bullying no cotidiano universitário; e (2) os envolvidos (agressores, vítimas e testemunhas) nem sempre compreendem o que seja o Bullying, cabendo à Psicoeducação contribuir para a identificação de casos e estratégias. Aliás, “É possível que a violência interpessoal no contexto da formação universitária seja um dos aspectos ligados ao fracasso acadêmico, à evasão e a dificuldades de ajustamento” (Panúncio-Pinto; Alpes; Colares, 2019, p.549). Os principais tipos neste ambiente específico parecem ser violências na relação veterano-calouro, violências devido a características pessoais, devido à orientação sexual e/ou gênero, devido a desempenho acadêmico ou devido à classe social e/ou etnia.
Retomando, o fenômeno do Bullying está relacionado a consequências psicopatológicas a todos os envolvidos, tais como: depressão, ansiedade, pesadelos, solidão, medo/preocupação constante, fobia escolar, fobia social, comportamentos antissociais, baixa autoestima, transtornos alimentares e comportamentos violentos (suicídio/homicídio). O Bullying pode ser direto (agressões físicas, empurrões, roubos, ameaças, ofensas) ou indireto (microagressões, indiferença, isolamento, exclusão, difamação). Nesse sentido, outro mito a ser desvelado é o de que pessoas do gênero feminino se engajem pouco em práticas de violência entre pares. O que parece acontecer de fato é uma preferência destas pelo Bullying indireto, mais difícil de se detectar, ao contrário das do gênero masculino.

E o que está por trás dessa prática tão danosa?
Como vimos, o Bullying é prejudicial (ainda que não em mesma medida) a vítimas e a agressores, pois parece estar presente em ambos grupos crenças desadaptativas, de modo que é possível até muitas pessoas transitarem contextualmente por esses papéis (são as chamadas vítimas-agressores). Geralmente se distinguem agressores de vítimas por serem os primeiros mais propensos à impulsividade/hiperatividade e com baixa empatia, enquanto os outros por possuírem características (individuais ou grupais) que se destaquem de forma indesejada culturalmente (preconceitos) ou de forma atraente (rivalidade).
Outrossim, durante a adolescência e esticando-se à juventude há uma forte pressão interna pela formação de identidade (Self ou “Quem sou eu?”). A partir dessa necessidade os jovens se agrupam/afiliam intensamente a pares similares (seja por gostos, estética, bens materiais, sexualidade, etc) e rechaçam os diferentes. Esse processo gera, paradoxalmente, uma tendência a se adequar ao grupo e de comparação constante, por medo de se tornar o diferente a ser excluído. Afastar a diferença é, pois, uma forma inconsciente de proteger a ainda frágil noção de eu, e dá, em nível social, ocasião à reprodução de muitas violências.
É comum, acrescenta-se, tanto a agressores quanto a vítimas e a vítimas-agressores pensamentos/sentimentos de incapacidade/insuficiência e de impossibilidade de ser querido/amado, entre outros. Nas vítimas tais pensamentos costumam ser internalizados como catastrofização e personalização de problemas (tudo parece o fim do mundo e é sempre culpa de alguém, às vezes dele mesmo), enquanto em agressores podem gerar a ideia de que se eu não atacar/explorar o outro primeiro, serei eu a ser atacado/explorado.

O que fazer com toda essa informação?
• Ao ler este texto, caso tenha se percebido nutrindo algumas das ideias e dos pensamentos disfuncionais citados, reflita se eles não têm te levado a agredir e/ou aceitar agressões de outros.
• Caso tenha dificuldades de estar em situações de conflitos, sempre fugindo ou se tornando agressivo, decida começar a tentar mudar isso.
• Caso tenha se lembrado já ter sido assistente ou mesmo audiência reforçadora a um agressor, rindo e incitando, busque exercitar a empatia (E se fosse eu, como me sentiria?).
• Lembre-se, tudo bem ser um pouco diferente ou estranho. Aprender a aceitar a si mesmo e ao outro aumenta suas chances de ser também aceito.
• Àqueles que se perceberam presenciando violências reiteradas, tenham em mente que testemunhas não saem emocionalmente ilesas. Denunciem.
• E a todos, frente a situações de sofrimentos e fracassos, busquem exercitar a autocompaixão. (Para que ser tão autocrítico? Quando foi que ser tão duro assim comigo mês serviu?)

Por fim, caso alguém, ao ler isto, tenha se sentido emocionalmente abalado e precise conversar, procure o DASAS. Estamos prontos a te receber.

Boa saúde mental!

Referências:
Lindern, D., & Lisboa, C. S. M. (2015). Bullying e terapia cognitivo-comportamental. In Federação Brasileira de Terapias Cognitivas, Neufeld, C. B., Falcone, E. M. O. & Rangé, B. (Orgs.). PROCOGNITIVA Programa de Atualização em Terapia Cognitivo-Comportamental: Ciclo 1. (pp. 115-62). Porto Alegre: Artmed Panamericana. (Sistema de Educação Continuada a Distância, v. 4).
Lisboa, C. S. M., Fulginiti, D. C., Souza, D. B., & Pureza, J. R. (2020). Bullying e autocompaixão — sobreposições e estratégias terapêuticas. In Federação Brasileira de Terapias Cognitivas, C. B. Neufeld, E. M. O. Falcone & B. P. Rangé (Orgs.), PROCOGNITIVA Programa de Atualização em Terapia Cognitivo-Comportamental: Ciclo 7 (pp. 83–118). Porto Alegre: Artmed Panamericana. (Sistema de Educação Continuada a Distância, v. 2).
Lindern, D., Lisboa, C. S. M. (2018). Manejo do bullying na prática clínica da terapia cognitivo-comportamental. In Sociedade Brasileira de Psicologia, Gorayeb, R., Miyazaki, M. C., & Teodoro, M. (Orgs.). PROPSICO Programa de Atualização em Psicologia Clínica e da Saúde: Ciclo 2. (pp. 119–67). Porto Alegre: Artmed Panamericana. (Sistema de Educação Continuada a Distância, v. 1).
Panúncio-Pino, M.P., Alpes, M.F., Colares, M.F.A. (2019). Situações de Violência Interpessoal/Bullying na Universidade: Recortes do Cotidiano Acadêmico de Estudantes da Área da Saúde. In REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 43 (1 Supl. 1): 547-556.

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